Mubarak diz que teme caos no Egito

CAIRO (Reuters) - O presidente Hosni Mubarak disse na quinta-feira que deseja deixar o poder, mas que não renuncia imediatamente para não causar caos no Egito, onde houve novos confrontos violentos entre simpatizantes e opositores do governo.

Mubarak, há 30 anos no cargo, tem tentado retomar o controle da situação em meio a uma rebelião popular que já matou até 300 pessoas. Seu governo convidou a oposição islâmica para um diálogo, e pediu desculpas pelo banho de sangue no Cairo, onde dez manifestantes morreram.

"Estou cheio. Depois de 62 anos no serviço público, eu tive o suficiente. Quero sair", disse Mubarak, de 82 anos, em entrevista à rede norte-americana ABC. "Se eu renunciar hoje, haverá o caos", acrescentou.


A exemplo do que ocorreu na quarta-feira, simpatizantes de Mubarak, armados, atacaram manifestantes que ocupam a praça Tahrir, no centro do Cairo, exigindo sua renúncia.

Para tentar acalmar os distúrbios, o recém-nomeado vice-presidente Omar Suleiman afirmou na quinta-feira que a Irmandade Muçulmana, mais organizado movimento de oposição do Egito, foi convidada a participar de um diálogo nacional envolvendo todos os partidos.

Suleiman, cotado para governar provisoriamente o Egito caso Mubarak renuncie, prometeu também que Gamal Mubarak, filho do presidente, não disputará a presidência, que pessoas presas nas manifestações serão soltas e que os responsáveis pela violência serão punidos.

Uma oferta de diálogo com o proscrito grupo islâmico seria impensável antes do início dos protestos, em 25 de janeiro, o que indica os grandes avanços obtidos pelo movimento reformista. A exclusão do empresário Gamal Mubarak do processo político também seria uma surpresa há meros dez dias.

Pressentindo a vitória, os adversários de Mubarak -- da Irmandade Muçulmana ao líder laico Mohamed El Baradei -- se recusam a negociar até que ele renuncie.

A oferta do governo à oposição ocorreu depois de o novo primeiro-ministro do país, Ahmed Shafiq, ter pedido desculpas pela violência e pela perturbação da ordem pública. Shafiq disse não saber quem foi responsável pela violência de quarta e quinta-feira, atribuída por manifestantes a policiais à paisana.

"Na qualidade de autoridades e de um Estado que deve proteger seus filhos, achei que seria necessário que eu pedisse desculpas e dissesse que isso não irá se repetir", disse o primeiro-ministro.

ACAMPADOS NA PRAÇA

Os cerca de 10 mil manifestantes presentes na praça Tahrir (Libertação) se preparam novamente para desafiar o toque de recolher, dormindo na praça e ali permanecendo até as grandes manifestações convocadas para sexta-feira.

Inspirados na recente rebelião que derrubou o governo da Tunísia, os egípcios se queixam da pobreza, da desigualdade, da corrupção e da repressão.

A alta comissária de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Navi Pillay, disse que até 300 pessoas morreram desde o início da rebelião.

Diante dos protestos, Mubarak prometeu nesta semana que não disputará um novo mandato na eleição de setembro. Mas essa e outras concessões foram rejeitadas pelos manifestantes na praça Tahrir -- compostos por jovens laicos de classe média, com formação universitária, e por um contingente maior de ativistas mais pobres, ligados à Irmandade Muçulmana.

"Suleiman não ouviu as necessidades das pessoas. Queremos que Mubarak saia imediatamente, não que fique por mais seis meses", disse Mohamed Anis, de 29 anos, funcionário da Bolsa de Valores. "Nós recusamos o diálogo e a negociação com Suleiman até que Mubarak renuncie."

Analistas dizem que o futuro de Mubarak está nas mãos do Exército, e que os militares estariam preocupados em preservar sua influência e riqueza, dissociando-se da enorme rejeição popular ao presidente.

Depois de observarem impassivelmente os confrontos da véspera, na quinta-feira os soldados estabeleceram uma zona de separação entre as facções. Isso, no entanto, não evitou novos confrontos, já que os militantes se apedrejaram mutuamente.

"Allahu Akbar (Deus é grande), o Exército e o povo estão de mãos dadas", gritavam manifestantes contrários a Mubarak na praça.

Médicos de ambulatórios improvisados no local disseram que pelo menos dez pessoas morreram e 800 ficaram feridas nos confrontos.

Perto do Museu Egípcio, que abriga relíquias de 7.000 anos de civilização, homens lutavam com pedras, paus e escudos improvisados, enquanto soldados em tanques de fabricação norte-americana faziam esforços esporádicos para intervir.

PRESSÃO OCIDENTAL

A batalha política nos bastidores tem implicações para a competição entre o Ocidente e os grupos islâmicos pela influência sobre o Oriente Médio e seu petróleo. Líderes europeus se somaram aos Estados Unidos nos apelos para que Mubarak, seu tradicional aliado na região, deixe o poder.

"Esse processo de transição deve começar agora", disseram os líderes da Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália e Espanha em nota.

Mubarak se recusa a ceder, e continua se apresentando como um baluarte contra a anarquia e o radicalismo islâmico.

O governo norte-americano também já pediu uma transição imediata no Egito.

Na entrevista à ABC, Mubarak se referiu ao presidente norte-americano, Barack Obama, como um homem muito bom. Mas, questionado se ele se sentia traído, afirmou: "Vocês não entendem a cultura egípcia e o que aconteceria se eu renunciar agora".

As autoridades norte-americanas também condenaram a "campanha organizada para intimidar" a imprensa, depois de muitos jornalistas serem atacados por seguidores de Mubarak e detidos por policiais. Entre os detidos estava o chefe da sucursal do The Washington Post no Cairo.

Embora menos numerosos que na semana passada, houve protestos na quinta-feira também em Suez e Ismailia, cidades industriais bastante afetadas pela crise econômica, e na portuária Alexandria.

Temores de que os protestos afetem o funcionamento do canal de Suez ou se espalhem para a Arábia Saudita têm feito a cotação do petróleo subir. Na quinta-feira, o barril do tipo Brent era negociado a 103 dólares.

(Reportagem adicional de Edmund Blair, Samia Nakhoul, Patrick Werr, Dina Zayed, Marwa Awad, Shaimaa Fayed, Alexander Dziadosz, Yasmine Saleh, Sherine El Madany, Yannis Behrakis, Jonathan Wright, Andrew Hammond, Tom Perry e Alison Williams, no Cairo; de Myra MacDonald, em Londres; e de Leigh Thomas, em Paris)

fonte reuster

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